outro dia
mesma pergunta:
vou fumar o ego
ou deixar o ego
fumar eu?

outro dia
mesma pergunta:
vou tirar o prego
ou deixar o prego
pregar eu?

outro dia
mesma pergunta:
vou desvendar o cego
ou deixar o cego
cegar eu?

outro dia
mesma pergunta:
vou integrar o negro
ou deixar o negro
negar eu?

outro dia
mesma pergunta
outro dia
mesma pergunta
eutropia

 

jacó ensina
pulando
de galho em galho
subindo
degradê por degradê
puxando sardinha
pro seu estado
rodando na leela lilás
que ora assim
que ora não
que oração
de cigana
é girar a mão

jacó ensina
que perfeição
tem muitos apelidos
muitas moradas
que carro-céu
é playcenter
de nuvens
que ninguém chega
ao eterno hierofante
de si mesmo
sem se aceitar
mutante

 

acendo um cigarro
e saio a janela
pra bater as cinzas
do passado
ela também sai
pra bater
o tapete da sala
as dores da esquina
o cheiro do ralo
os príncipes
que viraram sapos
os seios saudosos
dos frutos
que viraram árvores
e pássaros

acendo um aceno
ela esconde sua douçura
em folhas de uva
sete saias
a independem
de ver o coração
espalmado
em minhas mãos
fumaça e vento
se misturam
na mesma dança
minha nega!
sou ego, não nego
apenas relevo
o que não seja
o aceno
a simplicidade
e o fogo
que ascende
o cigarro deste
momento.


 

estaciono a bicicleta
na garagem do subsolo
chamo o elevador
que está parado no térreo
mas que eleva a garagem
ao status de paraíso
anjos chevrolet
arcanjos vokswagem
gnomos fiat lux
arco íris pela tubulação
silencio de templo budista
sento no chão
em posição de flor de laranjeira
e comungo da alegria circular dos pneus
até chegar o elevador
e me rebaixar a um décimo
do sétimo andar
 

busco felicidade
não encontro
busco de novo
não encontro
busco nos objetos
nos adjetivos
nos conjunções
não encontro
não encontro
não encontro
só encontro prazer
que passa

cansado de correr
atrás do vento
busco o sólido
o que não passa
não encontro
busco de novo
não encontro
busco nas idéias
nos ideais
suposições
não encontro
não encontro
não encontro
só encontro ânsia
que não passa

cansado de viver
dias e noite
mergulhado na ânsia
de encontrar felicidade
que não passe
caio desfalecido
no chão de minha
própria casa
e sou despertado
pela felicidade
batendo na porta

"por que só agora
você vem até esta casa?"
eu pergunto
"eu moro nesta casa",
responde a felicidade
"você que esteve viajando
em busca de grande tesouro
mas se agora voltou
suponho que finalmente
tenha encontrado"

caio de joelhos
dobro a cabeça
primeiramente envergonhado
depois agradecido
levanto sem peso
ergo a cabeça
sigo em frente

não busco mais
só encontro
nos objetos
nos adjetivos
nos conjunções
só encontro
nas idéias
nos ideais
nas suposições
só encontro
só encontro
só encontro
agora e sempre
aqui paz
 

face a face
com o que não tem face
cara a cara
com a coroa que reina
dentro do abismo
que pinta
mas não tem borda

queimei meus navios
olhei pra lâmpada
olhei de novo
continuei olhando
até não ver mais
diferença
e engravidar
de um caminho
sem volta

sofri porque
na ausência de lados
não tinha onde me esconder
na ausência de outro
não tinha como fugir
de mim mesmo
nem fingir
que não sei
que não posso
que não sou

então me falou
quando parei de falar
me mostrou
quando parei de ver
me explicou
quando parei de entender:

não se acende um candeeiro
pra guarda-lo no armário
o que sai é o inevitável
se uma laranjeira não dá suas laranjas
morre de gravidez
e morrer é fácil

grande e nobre é sempre
viver simplesmente
não se preocupe em fazer juízos perfeitos
em ler as entrelinhas
do que está escrito nas estrelas
você é igual
no direito de ser diferente
apenas siga em frente
pelas linhas escritas
nas palmas de suas mãos


 

na egolândia
todo mundo
quer ser
beatles
celebridade
receber os louros
as loiras
a fama
mas ninguém
quer arrumar
sequer
a própria
cama

na egolândia
todo mundo
quer ser
cinderela
do pé
sem chulé
onde encaixa
o sapato
mas ninguém
quer lavar
sequer
o próprio
prato

na egolândia
todo mundo
quer ser
o rei sentado
no trono
dono
da razão
exata
mas ninguém
quer descascar
sequer
uma única
batata

na egolândia
todo mundo
quer ser
poeta
profeta
nheco-nheco
chique-chique
balancê
mas ninguém
quer seguir
sequer
o próprio
abecê

na egolândia
todo mundo
quer ser
humildemente o cara
canonizado
e considerado
mais cristão
que jesus
mas ninguém
quer carregar
sequer
a própria
cruz