A tenda do Mestre Benjamim estava cheia.
Uma velhinha de voz trêmula pele cheia de rugas lhe pediu:
-"Mestre, fale-nos sobre Deus..."
Mestre Benjamim fez silêncio.
Olhou para o vazio.
Vagarosamente um sorriso foi-se abrindo.
-"Quantas pessoas aqui, na minha tenda, estão pensando no ar?
Por favor, levantem uma mão..."
Ninguém levantou a mão.
-"Ninguém levantou a mão... Ninguém está pensando no ar.
E, no entanto, todos nós o estamos respirando.
O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida.
Mas o homem que se afoga no fundo das águas só pensa no ar.
Deus é assim.
Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome.
Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo é porque está se afogando..."
-"Que desejamos para os nossos filhos?
Que eles sejam felizes.
Sorrimos ao vê-los por aí a correr, a pular, a cantar, a brincar, pensando nas
coisas de criança.
Mas enquanto brincam e riem eles não pensam em nós.
Se um filho ao se levantar viesse até você e o elogiasse, e agradecesse porque você lhe deu a vida e jurasse amor para sempre, e fizesse a mesma coisa na
hora do almoço, e repetisse os mesmos gestos e palavras ao meio da tarde, e de noite fizesse tudo de novo, suspeitaríamos de que alguma coisa não está bem.
O que desejamos é que eles gozem a vida sem pensar em nós.
Quem pensa demais e fala demais sobre Deus é porque não o está respirando.
Fez-se silêncio.
Foi quando uma lufada de vento entrou pela tenda, fazendo balançar a lâmpada de óleo que pendia do teto.
-"Deus é como o vento.
Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas.
Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai.
Na flauta o vento se transforma em melodia.
Mas não é possível engarrafá-lo.
Mas as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que eles dão o nome de "casa de Deus".
Mas se Deus mora numa casa estará ele ausente do resto do mundo?
Vento engarrafado não sopra..."
Ouviu-se então o pio distante de uma coruja.
-"Deus é como um pássaro encantado que nunca se vê.
Só se ouve o seu canto..."
-"Deus é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsa como o nosso.
Suspeita... Nenhuma certeza.
Deus nos deu asas. Mas as religiões inventaram gaiolas.
Tudo o que vive é pulsação do sagrado.
As aves dos céus, os lírios dos campos...
Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério.
É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.
Não precisamos dizer o nome "rosa" para sentir o seu perfume.
Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida.
Há pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus.
De que vale isso?
Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome
(Tiago 2.19).
Os homens religiosos, quando alguém morre, dizem:
"Deus o levou para si".
Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus?
Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos?
Deus não mora no mundo dos mortos.
Ele mora no nosso mundo, passeia pelo jardim.
Deus é beleza.
Quer ver Deus?
Veja a beleza do Sol que se põe, sem pensar em Deus.
Quer ouvir Deus?
Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus.
Quer sentir o cheiro de Deus?
Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus.
Quer saber como é o coração de Deus?
Empurre uma criança num balanço porque Deus tem um coração de criança, sem pensar em Deus.
Há beleza demais no Universo.
Mas o tempo vai-nos roubando as coisas que amamos.
Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós...
O tempo é um monstro que devora os seus filhos.
Fica a saudade.
Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo.
Quando se pronuncia o nome sagrado, está-se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado.
Está escrito num poema sagrado:
"Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás..." (Eclesiastes 11.1).
As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno...
Deus existe para nos curar da saudade...
Eu gostaria de dar um conselho:
"Não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as
coisas e não sou curioso a respeito de Deus.
Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte.
Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho...
Eu vejo Deus em cada uma das vinte e quatro horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus..."
(Walt Whitman)
"Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua
primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos."
(Alberto Caeiro)
Ouvidas essas palavras a velhinha sorriu para o Mestre Benjamim e fez um gesto com a sua mão, abençoando-o.