Eu vi passar por mim, um mercador,
com toda espécie de quinquilharias.
Não carregava nenhuma ilusão,
perdeu no jogo todas as que tinha.
Oferecia, aos brados, na calçada:
"- Venham, é barato, é quase nada!
Eu tenho dores, faltas e manias,
eu tenho tudo que jamais teria,
se, por alguém, tivesse sido amado.
Sonhos diversos, os mais variados!
Podem escolher, são coloridos,
belos e puros, nunca realizados...
Tenho traições nessa bagagem,
de amores e de amigos. Foram tantas...
paga que tive após lhes dedicar,
amor grande e sincero de verdade.
E ainda que mil anos se passarem...
irá doer por toda a eternidade.
Tenho saudades de qualquer tamanho,
das que nos fazem logo adormecer,
saudades das que todos querem ter,
é o que mais tenho,
venham... venham ver!"
Ele seguia, firme, rumo ao nada...
a oferecer o que a vida lhe deu,
num inventário de cruel fascínio,
dos ganhos que aufere quem perdeu.
Quem perdeu até mesmo a esperança,
aquela derradeira, esfarrapada,
que se vê despencando num abismo,
dando a certeza de não ter mais nada!
Com algo de tristeza, eu percebi,
que aqueles passos trôpegos que vi,
a oferecer o que ninguém precisa...
era meu coração que estava ali,
na tentativa frágil e indecisa,
de reaver a crença que perdeu,
depois de tudo que viveu, sofreu...