No longo deserto que foi a minha
vida sem pretextos nem contextos
vi-me na eminência de chamar a
mim o sol da vida uma outra vez.
A droga que tinha consumado minha
vida num verdadeiro suplício, ainda
assim me fez crer que era possível
recuperar a juventude, inda que com
cabelos cãs. Levantei as mãos aos céus
como num ritual e olhei para trás de mim
e vi a miséria no meu rosto e no rosto
de todos quantos tinham optado por
essa mísera vida. Nada logrei aqui só
desgraça e dor, muita dor, que me fez
sofrer como nunca o havia sofrido
em toda a minha vida pautada pela droga.
Já não havia o sorriso só lágrimas e dores
e eu vi que a droga não era a solução, pelo
contrário era o problema, que me levava
os dias a consumir-me interiormente.
Por isso alcei braços aos céus e pedi que
me tirassem dali, das overdoses, das
hepatites, das noites sem dormir e dos
dias sem comer passando-os com uma
simples fruta e um pão. Mas miséria de
todas as misérias eu já nem tinha dentes
para comer, a droga os havia apodrecido
até à gengiva e não era raro sangrar das
mesmas, só por tentar comer alguma coisa
que me mantivesse hirto o suficiente para
as forças que se me escapavam pelos dedos
das mãos com areia numa ampulheta louca.
Veio o dia que não tinha mais para sofrer
a morte pairava a meu lado dormia comigo
e esse seria meu destino, seria se não
tivesse logrado deixar a droga entregando-me
à minha força interior com todo o sofrimento
atroz na dor da ressaca, mas tudo passou e eu
voltei à vida, novamente cheia de benesses,
uma outra vez plena de riquezas exteriores.