Afirma-se que um famoso pintor do renascimento, quando pintava um quadro sobre o menino Jesus, após conceber e fazer os primeiros estudos, procurou uma criança que lhe servisse de modelo para a face do Mestre, na infância.
Procurou em muitos lugares até encontrar um pequenino sujo, que brincava nas ruas. O menino retratava no olhar e na face toda a pureza, bondade, beleza e ternura que se podia conceber.
Explicou-lhe o que desejava e, ante a autorização da família, levou-o para posar no seu atelier, retribuindo-lhe o trabalho com expressiva soma em moedas de ouro.
Anos depois, o artista desejou pintar outro quadro. Dessa vez iria retratar Judas. E saiu em busca de alguém que pudesse lhe oferecer o rosto do traidor.
Em mercados e praças públicas, tavernas e antros de costumes perniciosos por onde esteve à procura, não encontrou ninguém que se assemelhasse, em aparência, ao discípulo equivocado.
Já havia desanimado de procurar e pensava em desistir, quando, visitando uma taberna de má qualidade, se deparou com um delinqüente embriagado, em cujo olhar e semblante se encontravam os conflitos do traidor, conforme a concepção que dele fazia.
A barba endurecida, a cabeleira mal cuidada, eram a moldura para o olhar inquieto, desconfiado, num rosto contorcido pelo desconforto íntimo, formando um conjunto de dor e revolta, insegurança e arrependimento ímpares.
Comovido com o fato, o artista convidou aquele homem para posar, ao que ele respondeu que só faria sob a condição de boa recompensa financeira.
O pintor começou a obra e percebeu, após algumas sessões, que a face congestionada daquele homem se modificava a cada dia, perdendo a agressividade e a perturbação.
Um dia resolveu perguntar ao modelo o porque de tal transformação, ao que ele, um tanto melancólico, respondeu:
Posando nesta sala, recordo-me que há alguns anos atras, eu servi ao senhor de modelo para a face do menino Jesus...
Eu sou aquele garoto em cujo rosto o senhor encontrou a paz e a beleza do Justo traído...
O dinheiro que ganhei, em face da minha imaturidade, mais tarde pôs-me a perder e, de queda em queda, numa noite em que me embriaguei, por uma disputa insignificante matei outro homem.
Condenado num julgamento arbitrário, envenenei-me de ódio...
Agora, pisando neste lugar outra vez, recordo daquele tempo e retorno, emocionalmente, a Ele, e me acalmo...
Paradoxalmente, o mesmo indivíduo ficou retratado na face de Jesus menino e de Judas, em duas fases diferentes da mesma vida.
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Muitos de nós, simbolicamente, temos os nossos dias de traído e de traidor.
Dias em que trazemos na face a expressão da bondade e da ternura. E dias em que somos o retrato vivo do desespero.
É nesses dias difíceis que devemos buscar, emocionalmente, a serenidade dos dias de luz e seguir em frente com vontade de imprimir, de vez por todas, a face justa e bela do nosso modelo maior, que é Jesus Cristo.