Sempre que devo falar em educação procuro não parecer cética, mas me lembro do que dizia um velho e experiente professor: "Se numa turma de quarenta alunos faço um aprender a pensar, me dou por satisfeito". Não sou modelo de vida escolar. Não fui boa aluna, passei a gostar de estudar quase na faculdade, em geral fui medíocre. Das coisas boas que me marcaram, uma foram os limites sensatos, outra, a autoridade bondosa. Nada a ver com autoritarismo, desrespeito ou controle abusivo. Fui uma criança rebelde, numa época em que criança dormia cedo, nunca discutia com os adultos, menina deixava seu quarto impecável, bordava com mãos de fada e aprendia a ser uma moça tranqüila, obedecendo ao futuro marido com a mesma graça com que obedecia a pais, avós e professores.
Eu não era nada disso: meu problema era a indisciplina. Coisas inocentes da perspectiva atual, como rir em aula, dificuldade em ficar quieta, achar graça onde ninguém via graça nenhuma e me entediar mortalmente na maioria das vezes. Sonhar olhando pela janela com vontade de estar em casa, lendo debaixo das árvores ou aconchegada no meu quarto. Ah, aquela cama embutida em prateleiras! Mesmo assim, havia algo de reconfortante em existir um tipo de ordem e algumas exigências, evitando que, montada na vassoura da fantasia e do precoce desejo de independência, eu sumisse no ar ou nas páginas de algum livro. O colégio era severo, não cruel. Estudava-se muito. Aos 11 anos comecei a aprender latim, que me ajudaria a compreender melhor meu próprio idioma, entre outras coisas, e aos 12 decorávamos poemas em francês, alguns dos quais até hoje recordo (mal).
Na matemática e nas ciências exatas meu fracasso era espetacular. Meu bom professor de matemática, que me deu intermináveis séries de aulas particulares, lamentava-se com meu pai: "Essa menina não é burra, mas não aprende nada, só fica me olhando com olhar meio desamparado".
Décadas depois, interrogada por jornalistas a respeito de meu desempenho escolar, minha mãe respondeu com bom humor e muito realismo: "Ah, ela era uma aluna nota vírgula".
E explicou: eu estava sempre precisando de nota para ser aprovada em matemática e ciências exatas e, achava ela, por compaixão os professores me davam o décimo faltante. Eu precisava de nota 5, me davam 5 vírgula 1; precisava de 3, vinha um 3 vírgula 4. A vírgula me salvava da reprovação (segundo minha mãe). Repetir o ano era o horror dos horrores. Para a meninada de hoje isso deve soar quase irreal. A gente recebia nota, sim, não conceitos vagos. Era reprovado, sim, com certa facilidade, o que significava um exame de segunda época no período das esperadas férias de verão e uma enorme possibilidade de repetir o ano – o máximo opróbrio. Hoje, é preciso esforçar-se para conseguir uma reprovação. Repetir o ano? Quase impossível.
Muito de psicologia mal interpretada nos mostrou pelos anos 60 que não dá para traumatizar crianças e jovens: eles têm de aprender brincando. Esqueceu-se que a vida não é brincadeira e que o colégio – como a família – deveria nos preparar para ela. Transformou-se a escola num reduto familiar: professoras são tias, e muitas vezes a bagunça é generalizada, porque na família talvez seja assim. Um pouco de ordem na infância e na adolescência – em casa, na escola e na sociedade em geral – ajudaria a aliviar a perplexidade e a angústia dos jovens. Respeito deveria ser algo natural e geral, começando em casa, onde freqüentemente as crianças comandam o espetáculo. O exemplo vem de cima, e nisso estamos mal. Corrupção e impunidade são o modelo que se nos oferece publicamente. Se os pais pudessem instaurar uma ordem em casa – amorosa, mas firme –, dando aos filhos limites e sentido, respeitando o fato de eles estarem em formação, estariam sendo melhores do que agindo de forma servil ou eternamente condescendente. Aliás, em casa começaria o melhor currículo, a melhor ferramenta para a vida: respeitar, enxergar e questionar.
Nem calar a boca, como antigamente, nem gritar, bagunçar ou ofender: dialogar, comunicar-se numa boa, com irmãos, pais e outros. Isso estimularia a melhor arma para enfrentar o tsunami de informações, das mais positivas às mais loucas, que enfrentamos todos os dias: discernimento.
O resto, meus caros, pode vir depois: com todas as teorias, nomenclaturas, "modernidades" e instrumentação. É ornamento, é detalhe, pouco serve para quem não aprendeu a analisar, ler, concentrar-se, argumentar e ser um cidadão integrado e firme no caótico e admirável mundo nosso.