Bem Vindos O que os homens chamam de amizade nada mais é do que uma aliança, uma conciliação de interesses recíprocos, uma troca de favores. Na realidade, é um sistema comercial, no qual o amor de si mesmo espera recolher alguma vantagem. La Ro

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Nov 08


O trem atravessava sacolejando os subúrbios de Tóquio numa modorrenta tarde de primavera.

 

Um dos vagões estava quase vazio: apenas algumas mulheres e idosos e um jovem lutador de Aikidô.

 

O jovem olhava, distraído, pela janela, a monotonia das casas sempre iguais e dos arbustos cobertos de poeira.

 

Chegando a uma estação as portas se abriram e, de repente, a quietude foi rompida por um homem que entrou cambaleando, gritando com violência palavras sem nexo.

 

Era um homem forte, com roupas de operário. Estava bêbado e imundo.

 

Aos berros, empurrou uma mulher que carregava um bebê ao colo e ela caiu sobre uma poltrona vazia. Felizmente nada aconteceu ao bebê.

 

O operário furioso agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou arranca-la. Dava para ver que uma das suas mãos estava ferida e sangrava.

 

O trem seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo e o jovem se levantou.

 

O lutador estava em excelente forma física. Treinava oito horas todos os dias, há quase três anos.

 

Gostava de lutar e se considerava bom de briga. O problema é que suas habilidades marciais nunca haviam sido testadas em um combate de verdade. Os alunos são proibidos de lutar, pois sabem que Aikidô "é a arte da reconciliação.

 

Aquele cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o universo.

 

Por isso o jovem sempre evitava envolver-se em brigas, mas no fundo do coração, porém, desejava uma oportunidade legítima em que pudesse salvar os inocentes, destruindo os culpados.

 

Chegou o dia! Pensou consigo mesmo. Há pessoas correndo perigo e se eu não fizer alguma coisa é bem possível que elas acabem se ferindo.

 

O jovem se levantou e o bêbado percebeu a chance de canalizar sua ira.

 

Ah! Rugiu ele. Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras!

 

O jovem lançou-lhe um olhar de desprezo.

 

Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por isso o provocou de forma insolente.

 

Agora chega! Gritou o bêbado. Você vai levar uma lição. E se preparou para atacar.

 

Mas, antes que ele pudesse se mexer, alguém deu um grito: Hei!

 

O jovem e o bêbado olharam para um velhinho japonês que estava sentado em um dos bancos.

 

Aquele minúsculo senhor vestia um quimono impecável e devia ter mais de setenta anos...

 

Não deu a menor atenção ao jovem, mas sorriu com alegria para o operário, como se tivesse um importante segredo para lhe contar.

 

Venha aqui disse o velhinho, num tom coloquial e amistoso. Venha conversar comigo insistiu, chamando-o com um aceno de mão.

 

O homenzarrão obedeceu, mas perguntou com aspereza: por que diabos vou conversar com você?

 

O velhinho continuou sorrindo. O que você andou bebendo? Perguntou, com olhar interessado.

 

Saquê rosnou de volta o operário e não é da sua conta!

 

Com muita ternura, o velhinho começou a falar da sua vida, do afeto que sentia pela esposa, das noites que sentavam num velho banco de madeira, no jardim, um ao lado do outro.

 

Ficamos olhando o pôr-do-Sol e vendo como vai indo o nosso caquizeiro, comentou o velho mestre.

 

Pouco a pouco o operário foi relaxando e disse: é, é bom. Eu também gosto de caqui...

 

São deliciosos concordou o velho, sorrindo. E tenho certeza de que você também tem uma ótima esposa.

 

Não, falou o operário. Minha esposa morreu.

 

Suavemente, acompanhando o balanço do trem, aquele homenzarrão começou a chorar.

 

Eu não tenho esposa, não tenho casa, não tenho emprego. Eu só tenho vergonha de mim mesmo.

 

Lágrimas escorriam pelo seu rosto. E o jovem estava lá, com toda sua inocência juvenil, com toda a sua vontade de tornar o mundo melhor para se viver, sentindo-se, de repente, o pior dos homens.

 

O trem chegou à estação e o jovem desceu. Voltou-se para dar uma última olhada. O operário escarrapachara-se no banco e deitara a cabeça no colo do velhinho, que afagava com ternura seus cabelos emaranhados e sebosos.

 

Enquanto o trem se afastava, o jovem ficou meditando... O que pretendia resolver pela força foi alcançado com algumas palavras meigas. E aprendeu, através de uma lição viva, a arte de resolver conflitos.

publicado por SISTER às 09:15

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