Descia a tarde silenciosamente. As velas infladas pelo vento sul, conduziam as embarcações vagarosamente. As nuvens colorizadas pelo sol que se recolhia, desdobravam-se no horizonte, formando lúdicas imagens, boas de se imaginar. As crianças de quatro a cinco anos que o digam: são bichos, monstros que elas pensam que são de verdade!
Numa das embarcações Tereza sentada na popa se deliciava com o suave momento do entardecer. Lembrou que a hora do jantar se aproximava, voltou à cabine. Começou a despir-se de seus trajes informais para fazer-se linda, com um vestido pretinho básico, bijuterias vistosas e sandália de salto médio, afinal com a IAC (leia-se Idade Avançada Chegando) não podia mais usar salto sete, que lhe garantia o rebolado no andar sensualíssimo.
Olhou-se ao espelho, conferindo as rugas de expressão. Um cosmético bem aplicado as disfarçaria, uma sombra azul, um rímel, sem esquecer da base, pó facial, "blush" e batom indispensável, num vermelho rosado, complementado pelo toque do brilho labial. Tudo isso certamente iria conferir maior realce ao seu rosto, naturalmente bonito, mas já transformado num mapa de 6.1 (seis.ponto um) quilometragem rodada...jamais diria sessenta...parecia muito mais idade, um palavrão mesmo.
Às vezes até pensava em diminuir a idade, para os outros, mas nunca havia mentido antes, porque agora na maturidade iria fazê-lo? Afinal se orgulhava de sua mente, inteligência, discernimento e tudo o mais que havia aprendido em seus longos anos e portanto mostrar a real idade era para ela ponto de honra e princípios.
Penetrou em seus próprios olhos, os mesmos da infância e juventude...os olhos não mudam nunca, porisso dizem ser as janelas da alma, que detém a reluzente expressão da alma em expansão.
Ah! Doces olhos, que viram e vivenciaram tantos meandros da trajetória, em atalhos, esquinas e desvios, mãos e contramãos, semáforos abertos e fechados. Sempre se mantiveram penetrantes e observadores, ousados e transparentes.
Eram olhos de buscar a beleza em tudo, mas também de perceberem a tristeza dos outros e de si mesma. A empatia sempre fora uma de suas melhores qualidades, quando colocando-se no lugar do outro, sentia suas dores e alegrias compartilhadas. Adorava conhecer a estória de vida das pessoas, cada uma um universo se expandindo, um microcosmo latente no macrocosmo universal.
Tereza sempre buscou decifrar os mistérios da existência, cultivando a vida interior e a religiosidade, o "religare" ao Deus do seu coração, à sua centelha divina. Amava e contemplava a natureza, e procurava fazer o bem sem olhar a quem!
Sua existência nem sempre fora um mar de rosas. Muitas paixões e amores em desencontro. Ficara solteira, não havia encontrado um alguém que sinalizasse ser o homem com quem dividiria cama e agregaria a escova de dentes.
Tantas vezes se iludira, se deixara enganar, e depois de tanto dar sem receber na medida, num "feed-back" desejável e necessário a qualquer relacionamento, sentia-se como um náufrago no meio do oceano, em farrapos e a duras penas conseguia estatelar-se na praia, levantar e dar a volta por cima, seguindo em frente.
Sua sina fora cuidar dos familiares e todos os seus contos de fada terminavam com o príncipe indo embora e ela sozinha, mergulhada em lágrimas que escorregavam em seu rosto, pingando nas cartas que escrevia, em catarses necessárias, que purgam todos os sentimentos em desequilíbrio, incertezas, amarguras e a cruel sensação do repúdio, da rejeição. O destino das cartas era sempre a lata do lixo, devidamente amassadas, rasgadas ou queimadas. E então sentindo-se leve com isso, vislumbrava o horizonte se descortinando, munida de acalentadas esperanças no presente, com vistas ao futuro.
Tereza fora na mocidade muito bonita. Atraía os olhares dos homens em suas fantasias e também das mulheres invejosas de sua charmosa figura. Suas generosas formas eram realçadas quando vestia uma saia justa e colocava sapato de salto bem alto, desfilando toda a sua ondulante feminilidade.
Os tempos passaram rápidos e agora os passeios eram o luxo a que se concedia, já que seu último namorado havia partido, há meses sem nem olhar para trás, coisas da vida que Tereza já se acostumara.
Dos devaneios de espelho, ela acordou porque já estava atrasada para o jantar. Colocou um perfume amadeirado, conferiu de novo aquela mulher preparada para "matar" de curiosidade, quem não a conhecia ainda...mas que certamente, quem sabe, naquele dia, olhares se cruzariam e uma atração fatal faria com que encontrasse um novo alento, um alguém também desejoso de uma companhia agradável; afinal nestes passeios há tantos navegantes com o mesmo objetivo: alegrar a vida e encontrar a felicidade em doces momentos compartilhados ou não, mantendo abertas as janelas abertas para o novo, o inusitado e o belo.
Afinal de contas, fazer novas amizades, amar e ser amado significam amplitude e satisfação dentro das vivências do ser humano.
Tereza ainda possuía muita energia e entusiasmo e assim buscava dar um sentido ao seu cotidiano e desta forma gozava de excelente qualidade de vida, além de evidentemente sonhar com um príncipe encantado, não mais a cavalo, mas com um bom carro e que a convidasse a passear e viajar muito...claro que ele teria que ser um cavalheiro em potencial, abrindo a porta para ela entrar, além de flores, jantares e mimos, mas sobretudo muito carinho e atenção.
Devaneios à parte, ali naquele veleiro, tudo que Tereza mais queria era que o príncipe dos sonhos se materializasse na sua frente, porque ela achava que seu tempo cada vez se encurtava mais e ela queria viver muito e viver tudo, doce sonho de toda a melhor idade. Ela sequer imaginava que logo adiante conheceria o tímido José.....que fica para uma outra vez a continuidadeGuida Linhares