Pense que meu coração
Florestas jamais desbravadas...
Montanhas a serem escaladas...
E quem sabe... Uma
Cheiro de terra molhada,
orvalho abençoando a madrugada?
Pura nostalgia!
Faz tempo, a secura dos dias,
impede que se processe
o encanto da primavera.
E assim padeço, agonizo,
por conta de feridas profundas
cicatrizes ardidas, corrosivas.
E o que restou?
Um leito seco onde outrora era um rio,
cinzas espalhadas pra todo o lado,
galhos retorcidos, queimados,
e um certo ar de desesperança
por conta da ignorância dos homens
que nunca respeitaram o seu chão.
O ciclo sagrado da terra?
Perdido por entre queimadas.
Quem sabe um dia, das entranhas,
eu possa ressurgir renovada?
Quem sabe o homem que restou
e que tanto hoje chora
tenha aprendido a lição?
Enquanto isto, em seu bolso, eu percebo:
um punhado de sementes de trigo.
Um fio de esperança, de um dia poder semear?
NALDOVELHO
Chove a chuva mansa
E esses campos cercados
É um ritmo e uma dança
Que me deixa arrepiado.
E a poça que se forma
No meio do gramado
Se reproduz e se deforma
É um lago mal amado.
E de repente bate o vento
Fazendo cara de assustado
Pela janela o lamento
E o frio bem ao meu lado.
Agora é tempestade,
O horrível toque gelado
Faz lembrar da minha idade
E cada beijo do passado.
Enlouquecido o corpo
Basta então respirar
Pegue a mulher no porto
E comece a amar.
Meu corpo e o teu corpo
Teu corpo é meu destino
Dois corpos num só corpo
Do amor é clandestino.
O que tu vê da janela?
Onde sou o alguém
Juro amor a ela
Ela amando também.
Vamos rolar na grama
De alma quase cansada
A tempestade vira lama
E a chuva é quase nada.
Helo
Uma história de vida,
muito mais do que uma lenda
que a magia dos tempos buscou preservar.
Noite de lua cheia
que derramada por inteira,
numa louvação a natureza,
iluminava aquele lugar.
Água de cheiro no corpo,
Iracema colhia estrelas
para enfeitar seus cabelos
que brilhavam qual luz de luar.
Flor do campo, delicado jasmim,
a roupagem mais linda
de um perfumado jardim.
Iracema, a bela princesa,
purificava o ambiente,
Muito incenso ali presente:
canela, cravo e alecrim.
Foi assim que de repente,
pr´um canto que vinha das matas
e Iracema sorria satisfeita.,
Era um guerreiro que se achegava
e se lançava aos seus pés.
O enfeitiçado homenageava
os muitos encantos da Iara,
dizia ter vindo de longe,
só pra ver a princesa
mais bonita do lugar.
Trazia em seus olhos a certeza
e em suas mãos uma braçada de flores,
junto a um colar de esmeraldas
que um poeta chamado Xangô
mandou abençoar.
Diz a lenda, que por pura magia,
do colo da índia formosa,
um olho d água brotou inquieto
e envolveu o nobre guerreiro,
que naquela fonte matou sua sede,
purificou o seu corpo
e por paixão incontida
se perpetuou qual semente
naquele colo nascente.
Depois cansado da jornada
dormiu o sono dos justos
e enquanto dormia
se transformou em pedra,
guardião daquela fonte
e eternamente o companheiro,
da mais linda entre as princesas,
a filha de Mamãe Oxum !
E o olho d água se eternizou em nascente
e de nascente transbordou cachoeira,
que depois se fez em rio
de águas claras e envolventes
que em suas muitas vertentes
semeou por aquela terra
muitas vidas, outras nascentes,
filhos que aqui hoje campeiam,
guardiões dos jardins de Oxalá.
E assim me contou esta lenda
um velho índio, caboclo mateiro,
que sentado em cima de uma pedra
dizia ser o poeta!
O senhor daquelas terras,
certamente um grande guerreiro,
que o vento, as matas e o tempo,
por amor à natureza
resolveram imortalizar.
NaldoVelho
Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.
Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês – pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.
Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.
Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.
Sophia de Mello Breyner Andresen