a minha casa sem você é só fronteira
um bosque estranho
sem pintor
sem lua ou sol
parece casa de bichinhos
que ali vieram passear
estão quietos para vida procriar
a minha casa é como linha de fronteira
onde soldado passa e pede algum abrigo
naco de terra sem jardim
festa de junho sem fogueira
é lago azul onde um cisne só passeia
a minha casa é de mulher que fica quieta
é um canteiro de lilases
uma mesinha para o chá
uns violinos quase mudos a cantar
uma estante
com os livros dedicados a um amor
papel em branco
poesia
1
a estrada é longa amigo
vou ver a minha amada
além daquele campo
corado de papoilas
sou presto, vou e não cegue
o vinho que me tolda
os olhos desta ausência.
2
o vinho é doce, meu amor.
e quando arfam os teus seios
tão sedosos sob a sombra
da figueira temporã
não me aquietam os lábios
da sede da tua fala.
ó que figos tão maduros
sob a camisa de linho.
josé félix
Diante da tua insensatez
observo o lirismo das telhas quebradas,
as linhas paralelas dos fios elétricos,
a luz vazada nas vidraças das janelas.
Repousam poemas nos teus olhos:
buracos pelas ruas,
mulheres... palavras desconexas,
colisões de sons – televisores, cachorros, liquidificadores, rádios...
Sem que possas perceber
esvai-se o tempo, esvai-se a vida, esvaem-se as pessoas.
Põe sentido em tudo que olhares,
esse, possa ser, o olhar o derradeiro.
Enzo Carlo Barrocco
assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada.
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nossos lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.