Esmeraldas sorriam sobre o vale, espargiam perfumes de primavera e, de
quando em vez, viam mais longe, miravam as árvores seculares e frondosas,
quedavam-se enamoradas dos pássaros que as enfeitavam, ora em pipilar doce,
ora em cantos de harmonia.
Girava, artesã, a velha dobadoira da Avó, olhos baços, cansada de tanto
girar.
Meadas, novelos informes se transmudariam em primícias depois de urdidos
pelos dedos engelhados mas hábeis de tanta experiência e arte acumuladas.
Da varanda florida avista-se um peregrino, ao longe até parece a visita
habitual do velho frei D. Dinis, mas muito diferentes se revelam, ao
aproximar-se, a postura, o vigor das mãos que se apoiam no cajado, o firme
propósito do olhar sofrido.
Ergueu a cabeça de neve, lançou um olhar vago para além da moldura de flores
do quadro juvenil, fez menção de falar, a comunicação empática em vias de
estabelecer-se.
De repente, esfumou-se e desapareceu.
- Foi apenas uma visão, minha filha,- murmurou a Avó - acontece muito na
tua idade. Veio do passado, duma estirpe criada pelo teu imaginário. Um
sinal bom, mas não chegaste a ver Ninguém.
As imagens da ficante Joaninha e do passante Romeiro tinham no entanto uma
coisa comum.
Haviam nascido da mesma imaginação criadora e romântica, cruzaram-se apenas
episódica e virtualmente, fora do tempo e do espaço, predestinadas,
personalidades distintas e esculpidas com acutilância, a integrar páginas
das mais ricas da nossa literatura de todos os tempos.
Bem possível fora que tivessem existido; existiram decerto naqueles tempos
do país que fomos.
Sonhemos a esperança de que esse país ainda exista.
joaquim evónio