Bem Vindos O que os homens chamam de amizade nada mais é do que uma aliança, uma conciliação de interesses recíprocos, uma troca de favores. Na realidade, é um sistema comercial, no qual o amor de si mesmo espera recolher alguma vantagem. La Ro

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Jan 08

Era hora da novela.  Os muitos, imensamente muitos,da minha família posicionaram-se em pé, olhos fixos no majestoso rádio-capela, postado em cima da cristaleira.
Os agregados iam se  aconchegando, parados na soleira azul da porta da sala, tiravam o cs chapéus  e cabeça pendida, esperavam o milagre. Burburinho e reverência. Descrença e fé.

Como santo em seu  altar, o rádio nos vigiava, ameaçava ou glorificava  nossos futuros de amor.  Olhos fixos no sonho, devolvíamos aquele olhar  com a solenidade de uma prece.

Eu era muito pequena.  Ganhava colos, para também fitar nos olhos, os olhos do rádio.

Antes da novela, havia a solenidade da bênção da água na voz grave do mensageiro da Legião da Boa Vontade. Minha avó punha um copo dágua ao pé do rádio, para que o líquido recebesse as preces do alto da cristaleira e depois cada um bebia um gole do líquido bento, então sacratíssimo tira-manchas de pecados veniais escondidos n'alguns corações.

A partir daí era seguir suplício  de Ana Bolena prisioneira da torre.

Fazia parte do ritual que antecedia a novela, a irreverência do meu tio avô Vlado que punha junto ao copo d'água um outro, copo de pinga  e repetia todas as noites a mesma frase: " Se a água for benzida a cachaça também será e tira o diabo da ressaca do corpo"

Daquela vez não houve a quebra do silêncio nem a ralhação da minha avó.

Meu tio avô bebeu de um só gole, com a delicadeza trazida dos campos da Croácia ,
macheza  alcólica e sentimentalismo espalhados entre os índios Machacalis, o mel dos sonhos.

Minha avó virou-se para , por força do hábito, para fortalecer nossas têmperas, ralhar com Tio Vlado. Ele estava sorrindo...Cínico, semi deitado sobre as próprias  mãos. Tão vivo! Constaram depois que a morte foi de apoplexia. Mas  eu sei que  foi pela magia de   rir  de si e nos atentar para a  esperança.
Depois, muitos anos passados, eu soube que era esta nossa sina corrida em sangue cigano em nossas veias e para sempre , dos Balcãs  pelas águas venais de Minas Gerais.

Elane T0mich
publicado por SISTER às 06:04

Janeiro 2008
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